Índio Mura

sábado, 29 de dezembro de 2012

Cortina de Silêncio ou Efeito do Tempo?????

É preciso registrar, que os fatos e acontecimentos mais simplórios e ao menos curiosos, a respeito da Guerra da Cabanagem, são abrigados nas memórias dos mais antigos que outrora eram denominados "de Guardiães das Memórias". Faz-se necessário agilizarmos os registros e coletas dessa história oral, pois muitos desses depoentes estão sujeitos aos efeitos do tempo e das circunstâncias.
Num passado remoto, uma cortina de silêncio fora imposta a cada um destes que foram protagonistas ou ouvintes da história a eles perpassada, dentro de uma concepção europeizante de subalternidade em emplacar o exímio esquecimento deste grande e salutar movimento; hoje, ao terem oportunidade de contar sua "história" e revelar-nos acontecimentos próprios de sua vivência, bem como fatos simpliciter da Revolução Cabana, muitos desses depoentes se deparam com o desgaste e efeito do tempo dentro de um processo de envelhecimento, o qual caminha para o suspiro e seu silenciamento neste plano material.
No último dia 23 de dezembro, perdemos uma de nossas grandes depoentes e contribuinte no projeto memórias da Cabanagem, Dona Maria Zenaide do quilombo Pérola do Maicá veio a falecer e levar consigo uma miscelânia de saberes e histórias, todavia, que registre-se que ela nos reportou a uma nova versão de cabanagem negra no baixo Amazonas, protagonizada por um maranhense denominada por ela como o pioneiro na fuga de escravos na região, os quais por sua vez deram início a formação de quilombos, mocambos e cacoais nas margens do amazonas e tapajós.

Corramos e nos apressemos!!! Os guardiães das memórias não esperarão tanto tempo para compartilhar seus saberes e histórias e registrá-las no ímpeto amálgama da historiografia...

É chegada a hora do III Encontro da Cabanagem, geremos expectativas, vamos ao palco histórico de Cuipiranga despidos de todo e qualquer (pré) conceito,, vamos a discussão e debate, para que sob a luz da historicidade construamos teses e reconstruamos pequenos fragmentos dessa história.

"Não foquemos só os acontecimentos marcantes, demos atenção aos detalhes... Os detalhes são como o brilho dos diamantes, é preciso lapidá-lo, leva tempo e esforço, mas quando concluído, é esse brilho que dá significado e significância, e que faz toda a diferença"



Prof. MsC* Wilverson Rodrigo S. de Melo

















Pesquisador de História da Amazônia, mestrando do 
Programa de Pós-graduação em História da UFPE e 
Co-coordenador do III Encontro da Cabanagem

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

INFORMAÇÕES SOBRE A VIAGEM A CUIPIRANGA


Amigos(as) caravanistas do III Encontro da Cabanagem (04-06/01/2013),
Sejam todos bem acolhidos nesta comitiva que já é histórica por juntar-nos em torno do respeito e da celebração da memória das lutas dos povos da região. Obrigado pela disposição de cada uma de vocês em se juntar a nossa comitiva. Este Encontro é um desdobramento da Caravana da Memória Cabana (2010), que visitou lugares-chave na história da Cabanagem (1835-1840) no Baixo Amazonas, para recolher relatos das lembranças da população sobre esta guerra. E Cuipiranga é certamente o lugar mais significativo da resistência frente ao domínio dos portugueses. O nosso objetivo é reunir-nos com os moradores e celebrar esta história de teimosia e vitória do povo da região.

Para que seus três dias em Cuipiranga possam ser bem desfrutados, temos aqui algumas informações básicas e cuidados que devem ser tomados.
1. Barco: Ida - O Barco MENDES LEAL, que vai nos levar a Cuipiranga, estará em frente ao Posto Santo Antônio, perto do Mercado de Peixe. Sairemos de Santarém Às 07:00 hs no dia 04/01/2013 (6ª feira). Para a sua segurança, pedimos que sejam pontuais, para evitar atraso na saída. Os que não são da região, lembrem-se que devem levar suas redes e cordas. A viagem até Cuipiranga dura em média 3 horas, e podem dar um sono no trajeto. Volta – o barco sairá de Cuipiranga, dia 06/01, às 17 horas, chegando a Santarém às 20:00 hs, aproximadamente. Após o almoço de domingo (06/01), haverá tempo para aproveitar a praia, que é muito bonita em frente ao povoado.
Pedimos que os caravanistas fiquem hospedados nas casas dos moradores em Cuipiranga – e eles já estão nos aguardando. Assim, nos intervalos da programação e durante a noite podem interagir e dialogar com essas pessoas que tanto se alegram com nossa visita. Porém, aos que preferirem, podem ficar no barco, que ficará ancorado em frente ao povoado (mas pode sair para abrigo em caso de temporal). Apenas insistimos que se evite o isolamento em relação aos moradores.
Importante: É prudente ter sempre consigo seus pertences de valor (câmeras, gravadores, celulares etc.) e dinheiro, pois haverá pessoas de várias procedências e alguns tem “mau costume”. É bom não facilitar.

2. Alimentação: A coordenação não fornece alimentação, por isso pedimos que cada um leve a sua (no barco há freezer para guardar carnes, frangos, bebidas e outros frios). Essa colaboração pode ser colocada em comum com a família anfitriã, e uma parte deve ser deixada para o almoço de encerramento (piracaia), no domingo, que reunirá todos na praia, caravanistas e nativos. A comunidade ofertará um café da manhã na chegada e talvez nos outros dias. Na comunidade também serão vendidos lanches, refrigerantes, cervejas e refeições (galinha caipira, com certeza). É recomendável que, para seu conforto e higiene, cada um leve seu prato e talheres, copo ou caneco (que servem tanto para o café como para sucos e outros usos), pois não usaremos copos descartáveis, em respeito á saúde dos rios.
Importante! No sábado, 05/01, após a Caminhada dos Cabanos, que sai de Cuipiranga, almoçaremos em Vila Amazonas. É mais prático. A comunidade venderá o prato de comida pelo valor simbólico de R$7,00 reais (incluindo suco). È uma forma de ajudá-los também.

3. Roupas e calçados: leves e informais, como shorts, bermudas, saias e blusas, pois o calor de Cuipiranga é quase o mesmo de Santarém (só um pouco mais fresco à noite). Sandálias de dedo (tipo Havaianas) e tênis são bem vindos, principalmente na Caminhada dos Cabanos (aproximadamente 6 km), no dia 05/01. Chapéus de palha ou outros que protejam do sol, bonés e camisas vermelhas são uma sugestão para esta Caminhada. Lembre-se que os cabanos usavam uniformes vermelhos, como vermelha ficou a areia de Cuipiranga devido o sangue derramado na guerra.
Como é bonita a praia, e a água cristalina é própria para o banho, levem roupa de praia e protetor solar, pois haverá tempo para usufruir desse prazer.

4. Interação: Participem sempre nos momentos de discussão sobre a Cabanagem, de levantação e derrubado dos mastros, nos festejos e danças e qualquer outra circunstância de socialização. Haverá até uma festa dançante no sábado à noite.

5. Telefones e Celulares: os da Vivo pegam sinal na praia e na parte mais alta de Cuipiranga. Os da Claro pegam melhor. Telefone fixo não há na comunidade. Mas ninguém sentirá falta. Melhor relaxar e aproveitar. A conexão ali é outra.

6. Repelente: Os de pele mais sensível, é melhor levar, pois pode haver carapanãs. Mas geralmente pernilongos não atacam em Cuipiranga.

7. Como este encontro é de festa e celebração, quem puder, leve uma caixa de fogos de artifício (pistolas), para usar durante a chegada à comunidade, durante a Caminhada dos Cabanos e durante a iluminação no cemitério, além de outros momentos mais festivos.Levem também velas estiarinas para a iluminação no cemitério.

8. Lanterna. É bom sempre ter uma, pois haverá programação à noite em terra, e uma lanterna pode ser muito útil.

Para qualquer outra informação ou sugestão, procurem um dos coordenadores: Rodrigo (9154-6472) w.rodrigohistoriador@bol.com.br, Florêncio (9184-4900) florenciovaz@yahoo.com.br e Carlos Jaime (9129-6463)cj13mandatocoletivo@gmail.com , cujos endereços estão nesta lista.

Muito obrigado desde já.
Santarém, 27 de dezembro de 2012
A Coordenação da Caravana ao III Encontro da Cabanagem

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Cabanos e Legais no Baixo Amazonas... Tessitura historiográfica para o III Encontro da Cabanagem em Cuipiranga (Santarém - 4 a 6 de janeiro de 2013)

Cabanos e Legais no Baixo Amazonas... Tessitura historiográfica para o III Encontro da Cabanagem em Cuipiranga (Santarém - 4 a 6 de janeiro de 2013)

Mais um ano se aproxima, teremos nosso III Encontro da Cabanagem num dos maiores palcos da resistência cabana no interior do antigo Grão-Pará - CUIPIRANGA em Santarém.
A comunidade de Cuipiranga em sua singela geografia guarda uma riquíssima história protagonizada por valentes homens que ousaram desafiar todo e qualquer “poder constituído” em pleno século XIX, em detrimento de melhoria de vida e aquisição de dignidade. Vale ressaltar que o lugar abarca um forte misticismo e espiritualidade, repleto de estórias sobre “visagens”, curupira, jurupari, mãe d’água, dentre tantos outros – os quais compõem de forma imagética o imaginário amazônico.


Prof.º MsC* Wilverson Rodrigo S.de Melo ¹

Dentre os seis grandes movimentos de rebelião ocorrido no período Regencial do Império brasileiro (Balaiada, Revolta dos Malês,Sabinada, Cabanada, Farroupilha e Cabanagem), a Cabanagem fora o único movimento quase que essencialmente popular, que passou de uma simples agitação ou insurreição para uma tomada efetiva do poder segundo Caio Prado Jr (1933).
E foi justamente essa ação de caráter popular que muito incomodou o governo regente imperial da época, levando tanto o Regente Diogo Feijó quanto o Regente Araújo Lima a reprimirem com tamanha violência os cabanos, ao ponto de serem dizimados cerca de 25 a 50 mil amazônidas em toda a região do Grão-Pará.
A pequena comunidade de Cuipiranga registra traços marcantes e simbólicos deste massacre, até mesmo em seu nome, pois “CUIPIRANGA” significa areia vermelha (CUI=areia + PIRANGA=vermelha), nome que segundo os comunitários, justifica-se pela grande quantidade de sangue derramada na areia da praia em meados de 1837, que na época abrigava cerca de 3.000 pessoas entre homens, mulheres e crianças (população superior ou igual a Vila de Santarém na década de 30 do século XIX).


Bem, é melhor pararmos por aqui!!!


Queria saber mais?? Se animou??  Sentiu vontade de conhecer um pouco mais sobre a sua história?? Sobre a história da Amazônia?? A história do Brasil??


Então não fique de fora dessa!! Venha para o III Encontro da Cabanagem, não se surpreenda se a história dos cabanos se assemelhar a sua própria história, pois o sangue deles também jorra em tuas veias – Afinal, são nossos ascendentes, haja vista que todos somos frutos de uma grande miscigenação pluriétnica.







¹ Pesquisador de História da Amazônia; Mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Co-coordenador do III Encontro da Cabanagem

Endereço para acessar Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/938421408809372

sábado, 3 de novembro de 2012

PROGRAMAÇÃO DO III ENCONTRO DA CABANAGEM


Cuipiranga e Vila Amazonas, 04-06/01/2013
04/01/2013
07:30 hs – Saída do barco de Santarém para Cuipiranga, levando acadêmicos, ativistas sociais e demais participantes cidadãos(ãs).
11:00 hs – [Após chegada a Cuipiranga] Recepção e apresentação dos visitantes e moradores e abertura do Encontro, com as explicação da sua motivação: manter viva a memória da Cabanagem, a guerra que não acabou.
12:00 – Almoço
14:30 hs – Interação e brincadeiras com crianças e adolescentes no barracão.
16:00 hs – Torneio de futebol masculino e feminino.
17:30 hs – Levantação do mastro da festa
19:30 hs – Celebração religiosa na praia seguida de apresentação do Marambiré.
20:30 hs – Mostra de documentários, debates e animação cultural.

05/01/2013
06:30 hs – Café da manhã
07:00 hs – Saída da Caminhada dos Cabanos, de Cuipiranga a Vila Amazonas, (sai do lado do rio Tapajós para o rio Amazonas).
10:00 hs – Chegada e recepção em Vila Amazonas, seguida de discussão sobre o sentido da Caminhada e da luta dos cabanos hoje a proposta de criação do MUSEU ABERTO DA CABANAGEM.
12:00 hs – Almoço coletivo (servido pelos moradores no barracão comunitário)
13:00 hs – Apresentação de filmes e documentários e debates.
15:00 hs – Despedidas e volta para Cuipiranga.
19:30 hs – Ritual/celebração
20:00 hs – Apresentações culturais e Festa dançante

06/01/2012
7:00 hs – Café da manhã
8:00 hs – Homenagem aos cabanos: visita ao Cemitério de Cuipiranga, com “iluminação” e salva de fogos.
9:30 hs - Avaliação e planejamento do evento
10:30 hs – Ritual de despedida Derrubada do mastro
11:30 hs – Piracaia (almoço na praia) de despedida e banho de rio - final do encontro
16:00 hs – Saída do barco para Santarém

INFORMAÇÕES E RESERVAS DE PASSSAGEM:
Claudio Curuja (Cuipiranga) – Tel. (093)9184-8969;
Rodrigo (Santarém) - 9154-6472;  w.rodrigohistoriador@bol.com.br
Alvina Cunha - 9191-7453; alvinacunha@gmail.com
Ib Tapajós - 9145-3010; ibtapajos@hotmail.com
Carlos Jaime – cj13mandatocoletivo@gmail.com
Florêncio Vaz - 9184-4900; florencioalmeidavaz@gmail.com

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

RUMO AO III ENCONTRO DA CABANAGEM!


Caros amigos e companheiros da causa cabana,
Já estamos nos aproximando do III Encontro da Cabanagem, que acontecerá em Cuipiranga entre os dias 04 e 06 de janeiro de 2013, e estamos preparando a viagem da nossa comitiva que sai de Santarém. A previsão é reunir 50 caravanistas, como nas edições anteriores. O barco sairá na 6ª feira 04/01/2013, às 07:30 hs da manhã, e devemos estar de volta a Santarém às 19:00 hs do domingo, 06/01. Você já está convidado.
Será uma boa oportunidade para conhecer o lugar-chave da guerra da Cabanagem no baixo Amazonas e se entrosar com as famílias da comunidade. Os caravanistas ficarão hospedados nas casas dos nativos. Um dos nossos objetivos é entrar mais no mundo destes cabanos de hoje e também conhecer os rastros dos rebeldes de ontem. Faremos até a Caminhada pelos caminhos que eles tantas vezes eles percorreram. Queremos efetivar trocas políticas, culturais e afetivas com este mundo que é nosso, mas do qual sabemos muito pouco.
Aos interessados em participar, já temos os seguintes encaminhamentos:
1. A passagem no barco custará R$50,00 (estudante) e R$$100,00 (demais profissionais);
2. Precisamos de apoiadores, principalmente para cobrir os gastos com combustível e alimentos. Mas camisetas, chapéus, fogos de artifício, faixas e outros materiais serão bem vindos.
Contatos:
Claudio Curuja (Presidente da Associação de Moradores de Cuipiranga) – (093)9184-8969;
Nossa equipe em Santarém: Rodrigo 9154-6472;  w.rodrigohistoriador@bol.com.br
Alvina Cunha - 9191-7453; alvinacunha@gmail.com
Ib Tapajós - 9145-3010; ibtapajos@hotmail.com
Florêncio Vaz - 9184-4900; florencioalmeidavaz@gmail.com

"CONHECER CUIPIRANGA E SUA GENTE É UMA EXPERIÊNCIA INTELECTUAL INTRIGANTE"


[Alvina Cunha, autora do relato, está à esquerda com a menina de vermelho]
Quando recebi do professor Florêncio Vaz o convite para conhecer a comunidade de Cuipiranga [13-15/07/2012], não imaginei o quanto essa experiência seria enriquecedora e prazerosa ao ponto de reacender em mim a indescritível sensação de estar diante de um documento, que é ao mesmo tempo testemunho da nossa história. Cuipiranga, porém, não é apenas um pedaço de papel por muito tempo conservado em um arquivo, mas um retrato vivo da história da Cabanagem que a todo momento se renova, se modifica e se conserva com todas as suas nuances nos relatos da gente que ali vive e convive diariamente com a memória da Cabanagem.

A primeira sensação, porém, ao pisar na “terra vermelha” foi a estranheza de ter que viver, por dois dias, em uma realidade completamente diferente a que estou acostumada. Mas este sentimento logo foi substituído pela alegria de ser recepcionada com a mais alta cortesia por uma gente simples cujo mais valioso bem que possuem é a gentileza de fazer o mais estranho visitante se sentir em casa. Nesse aspecto não seria justo citar o nome de uma ou outra pessoa, pois todos, sem exceção, estão igualmente contemplados.

Além da calorosa receptividade, outros aspectos chamaram a minha atenção naquele lugar. A exuberante beleza natural (que dispensa qualquer comentário) foi um deles, mas os aspectos sociais - o modo de vida das pessoas e as imbricadas relações que elas tecem umas com as outras, com a natureza e com a memória da Cabanagem - foram os que mais me impressionaram: saber que ali, para aquelas pessoas, a areia é vermelha porque um dia foi manchada pelo sangue dos cabanos mortos em combate; conhecer o lugar onde seus corpos foram enterrados sob essa mesma terra; ouvir o relato daqueles que ainda hoje guardam na memória o que lhes foi contado e da mesma forma a transmitem; navegar pelos rios e caminhar por dentro da mata fazendo o exercício de imaginar como os cabanos ali se locomoviam e planejavam suas estratégias de guerra é uma experiência intelectual que transcende a matéria e supera qualquer cansaço físico.

Apesar do cansaço ter sido grande já nas primeiras horas do dia seguinte, devido à visita inesperada de vários besouros durante a noite, logo me senti reconfortada pela prazerosa conversa com uma moradora que me relatou seu sentimento de auto-identificação com o povo cabano, enquanto outras comunidades negam esta identidade por associá-la a algo pejorativo, reforçada pela idéia ainda hoje comum associada ao movimento da Cabanagem.

[Fotos: Professor e Frei Florêncio Almeida Vaz]
Assim, não me resta outra alternativa a não ser agradecer pelo convite que, se em um primeiro momento foi recebido com ingenuidade, logo foi transformado em uma experiência intelectual tão intrigante, quanto enriquecedora. Obrigada, professor Florêncio Vaz, obrigada, povo de Cuipiranga pelo presente a mim concedido de conhecê-los, mas ainda mais por terem sido tão valorosos guardiões da nossa história. Espero um dia poder me juntar a vocês na reconstrução desta memória.

Alvina Cunha (Estudante da UFOPA)

domingo, 28 de outubro de 2012


Resenha de Florêncio Vaz sobre VALENTIA (Ed. Grua), livro escrito e ilustrado por integrantes da I Caravana da Memória Cabana em 2010.

O Livro
Compras: www.grualivros.com.br

Acabei de ler o romance Valentia, de minha amiga Deborah Kietzmann Goldemberg. De tão bom, eu não consegui lê-lo na velocidade normal com que leio os outros livros. Li Valentia em menos de uma semana, e por pouco não fiquei na rede lendo-o direto. Gostei muito do estilo, que junta um depoimento ficcional supostamente escrito por um rebelde cabano, em 1840, e outros feitos por comunitários da região Oeste do Pará, em 2010, todos tendo a guerra da Cabanagem (1835-1840) como foco principal - esta guerra que ainda hoje está muito viva nas mentes dos moradores do interior da região. Este recurso me pareceu muito interessante, não só como literatura, mas como Antropologia também. Aliás, a autora, que é antropóloga, soube captar muito bem a fala dos moradores das comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas, que escutou em 2010 durante a Caravana da Memória Cabana[1], no Oeste do Pará, na mesma região onde aconteceram muitos combates desta guerra.

A história é narrada em dois planos. Em um, o herói Samauma nos conta sobre a sua vivência na guerra, no calor dos acontecimentos, em meados do século XIX. No outro, na parte contemporânea do livro, há trechos onde sentimos claramente que são os moradores das margens dos rios que contam as suas memórias, mesclando mitos, lendas, fantasias, fatos históricos e filosofia indígena. É claro que é a autora que tece os fios da narrativa, cria conexões entre os diferentes relatos, enriquece e aumenta a história (mas não “inventa”, no sentido de falsificar), dando vida novamente ao tesouro que é a memória oral destes povos. Afinal, não se trata de uma compilação de relatos feitos pelos moradores do rio Tapajós.

Na parte histórica, o personagem principal que relata na primeira pessoa os acontecimentos é fictício, mas que viaja por vilas e cidades conhecidas e fala dos personagens históricos da guerra com muita familiaridade. Samaúma, o motor do livro, tem a cara que tiveram muitos dos combatentes cabanos: filhos de índios com brancos, cristianizados mas conservando muito da cosmologia indígena e que mantinham um forte (re)sentimento contra o domínio dos portugueses e seus descendentes. O herói nos cativa por ser destemido, sonhador. Ele é o rebelde cabano idealizado e, ao mesmo tempo, é mostrado na sua face humana, com vacilações e contradições. O que mais me atraiu em Samaúma foi essa sua face de um cabano real. Penso que a sua história não é muito diferente daquela de personagens históricos envolvidos na guerra.

Deborah Kietzmann Goldemberg criou personagens que podem ser bem coerentes com aqueles tempos de guerra. Um dos pontos altos do livro são as emoções e explosões de tensões e conflitos entre os próprios rebeldes e líderes da Cabanagem e, também, destes com os outros moradores, os supostos inimigos. Estes conflitos não raro acabaram em tragédia. Imaginando-se no meio da guerra, onde não há lugar para a bondade e a compaixão, típicas da formação cristã recebida nas aldeias missionárias, a autora, falando através dos personagens, expressa sentimentos e dramas bem reais e humanos. Os rebeldes cabanos aparecem no livro não como bons moços ou heróis libertadores sem manchas, mas como pessoas humanas nas suas circunstâncias. Eles matam sem sentimento de culpa, mas são capazes também de dar a sua vida pela causa que entendem ser justa. Nem por isso aqueles homens e mulheres deixam de nos cativar, e talvez até por isso mesmo é que nos atraem tanto. Ponto para a autora.
A obra é uma viagem pelo imaginário das gentes que vivem às margens dos rios da Amazônia. Pelas suas páginas, passeamos entre visagens, tesouros enterrados, praias que ainda em 2012 continuam vermelhas devido ao sangue derramado durante a guerra... O leitor se sente envolvido nesta atmosfera, e não tem como não se sentir tentado a visitar também esta Amazônia de populações que só são “tradicionais” nos artigos e teses acadêmicas ou no discurso de conveniência de ONGs e instituições do Estado. O leitor se sente estimulado a também viajar a esta Amazônia profunda e escutar suas vozes, sua sabedoria e suas aspirações.

Estes ribeirinhos não ficaram parados em 1840. Os seus mitos e os espíritos da floresta convivem com a modernidade. A autora nos mostra, por exemplo, que naquelas aldeias já chegou o turismo, que está sendo aproveitado pelos indígenas como uma fonte de renda, aliado à venda de artesanato, e com o auxílio das novas tecnologias, como computador, internet e Skype.

Um dos momentos mais divertidos da obra é o diálogo entre um líder indígena e um representante de uma revista do Sudeste dirigida a amantes de um tipo de turismo ecológico ou radical. Ao invés de um nativo acanhado e desinformado, vemos um típico agente ou empresário que negocia descontos e tenta por tudo convencer o interlocutor que o seu “produto” – passeio na floresta, rituais debaixo de uma maloca e artesanato “natural” de boa qualidade etc. – pode até ser caro, mas vale a pena ser comprado. Tanto que aqueles indígenas já estariam pensando até em aumentar o tamanho da maloca, para poder comportar os turistas que só aumentam de número.

É em momentos como esse, que Deborah Goldemberg mostra que entende mesmo da Amazônia real, da Amazônia contemporânea, de indígenas que recuperam o orgulho da sua origem e tradição, sem abrir mão de um padrão de consumo e idéias típicas das sociedades urbanizadas e capitalistas, de indígenas que até se pintam de “índios” (bem ao gosto de turistas ávidos pelo exótico e selvagem) para continuar sendo indígenas do seu jeito.

Recomenda-se a leitura urgentemente.

Detalhes:
Nome do livro – Valentia (visitar o blog: http://valentiaoromance.blogspot.com.br )

Autora – Deborah Kietzmann Goldemberg (Visitar blog: http://ressurgenciaicamiaba.blogspot.com )
Editora: Grua

Onde adquirir: www.grualivros.com.br


[1] A Caravana da Memória Cabana reuniu um grupo de aproximadamente 20 pessoas (entre antropólogos, historiadores, fotógrafos, cineastas, estudantes e líderes indígenas) que no fim de maio de 2010 passou pela cidade de Santarém (PA) e mais 8 comunidades no baixo rio Tapajós, durante 10 dias, gravando depoimentos dos moradores sobre a guerra da Cabanagem. O objetivo era recolher imagens e relatos que pudessem ser aproveitados em diferentes mídias, como documentários em vídeo, exposições fotográficas, romances e textos acadêmicos sobre a memória da Cabanagem. Mais informações: http://caravanacabana.blogspot.com.br , ou falar com o coordenador do projeto Memórias Cabanas: florenciovaz@uol.com.br

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

MEMÓRIAS DA CABANAGEM AGORA TAMBÉM NO YOUTUBE

Vejam e divulguem o vídeo "Memórias da Cabanagem: um momento", do sociólogo Wyncla Paz e do Coletivo Cravos da Libertinagem, realizado com imagens registradas na II Caravana da Memória Cabana, ocorrida em Janeiro de 2012, nas comunidades de Cuipiranga do Tapajós, Vila Amazona e Guajará (Santarém, Pará). O evento teve como objetivo celebrar o aniversário da tomada de Belém pelos cabanos, ocorrida em 07 de Janeiro de 1835. A cabanagem foi um movimento insurgente advindo das bases da sociedade amazônica, nascido em função das profundas assimetrias de poder estabelecidas na época do período colonial.

As imagens do filme de Wyancla Paz/Cravos da Libertinagem mostram um pouco do que são estes encontros de celebração da nossa memória rebelde e alegre. Quem esteve lá sentirá saudade. Quem não esteve, comece logo a se preparar para o III Encontro da Cabanagem, em janeiro de 2013. afinal, "A cabanagem não morreu. Nós somos os novos cabanos!"

http://www.youtube.com/watch?v=nyPu5QQjJx8

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O CABANO NA FRENTE DA CASA DE PE. EDILBERTO E ENOY SENA

Eis o homem! Criação artística do Apolinário e iniciativa pioneira dos irmãos Sena (parabéns a eles pela ousadia), que contou com o apoio de estudantes universitários, indígenas, amantes da história santarena (como o casal Cristóvam e Rute Sena), pessoas idosas e cheias de memória e dos vizinhos. Éramos umas 20 pessoas (Poucos? Que nada!), mas todas da melhor qualidade humana e cheias de sonho. Algumas pessoas passavam na rua e nos olhavam, dos seus carros e motos, talvez pensando que éramos meio doidos (e somos mesmo, mas de um tipo diferente) ou que o cara da estátua era algum nosso parente falecido (e era mesmo). Agora, todos já sabem que é o "cabano". Como cabanos não andam sozinhos, outros virão. aguarde. Ou faça você também uma homenagem, a sua arte. A nossa memória agradece.

Fotos: Marcelo da Silva Neves (Estudante - UEPA/Santarém)

CERIMÔNIA DE INAUGURAÇÃO DA ESTÁTUA DO CABANO

Eram 10:00 hs da manhã do domingo, 22/01/2012. Bairro da Aldeia, em Santarém. Diante da estátua (ainda coberta por uma bandeira vermelha), o estudante e vice-coordenador do Conselho Indígena dos rios Tapajós e Arapiuns (CITA) João Tapajó oferece a bebida "tarubá" aos mortos cabanos, enquanto é acompanhado por um grupo de lutadores e simpatizantes da causa cabana.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

NESTE DOMINGO: INAUGURAÇÃO DE ESTÁTUA DE HOMENAGEM AOS CABANOS

Amigos cabanos de hoje, vejam só que boa notícia! O Pe. Edilberto Sena resolveu não esperar mais que o poder público inaugure um monumento, praça ou rua com nome dos cabanos. Ele mesmo e sua irmã Enoy Sena vão inaugurar uma estátua de homenagem aos cabanos bem em frente a casa deles, em Santarém (Pará). O autor da escultura é o conhecido artista Apolinário.


E nós que estamos aqui perto devemos estar lá com nossa galera e o maior número possível de guerreiros(as), para fazer bonito. Desde já, muita divulgação!!!! Corramos para o facebook, Orkut, listas, telefone, conversa ao vivo etc. Afinal, já será neste fim de semana.

O que? Inauguração da estátua de homenagem aos patriotas cabanos

Quando? 22/01/2012 (domingo)

Local: Residencia do Pe. Edilberto e da Enoy Sena, Trav. Assis de Vasconcelos, N. 432 (próximo da Av. Rui Barbosa) – Bairro da Aldeia

Que horas? Às 09:30 hs (manhã)

Obs. A festa é da partilha cabana. Por isso, cada um leve um pouco de suco, café ou pão ou bolacha (beijus e tarubá serão muito bem vindos), para a partilha ritual cabana. E de animação, levem tambores, fogos de artifício, megafone, faixas e os sempre presentes chapéus de palha e blusa ou vestido vermelho.

Todos à inauguração da estátua dos cabanos!!!!! A gente se vê lá.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Uma ótica sobre o II Encontro da Cabanagem em Cuipiranga - Santarém, 06-08/01/12

Wilverson Rodrigo S. de Melo - Pesq. de História da Amazônia
Mística e emoções. É assim que podemos definir o II Encontro da Cabanagem.

A chegada dos caravanistas na comunidade de Cuipiranga - último reduto organizado de resistência cabana no Grão-Pará - foi marcada por uma recepção dos comunitários com a manifestação cultural do Marambiré e posteriormente seguimos para apresentações e interações com os residentes da comunidade no barracão comunitário.
A tarde deu-se início as discussões e provocações quanto a Revolução Cabana entre a comitiva caravanista juntamente com a comunidade. Na ocasião foram levantados muitos questionamentos tais como: a participação da mulher na Cabanagem; as andanças do Cônego Batista Campos pelo Baixo Amazonas; implicações desta revolução com a matriz de identidade amazônida; quais as relações do retrospecto histórico cabano com as  lutas dos amazônidas na atualidade. Todos estes temas alimentaram um proveitoso debate e roda de conversa com respeito a Guerra da Cabanagem, tornando-se um momento ímpar deste Encontro.
Ao cair da noite, fora exibido na comunidade dois filmes documentários de curta duração: "Caravana da Memória Cabana" imagens de Florêncio Vaz e edição de Ramom; e "Memórias cabanas" do cinegrafista santareno Clodoaldo Corrêa... na ocasião, a própria comunidade pode vislumbrar-se como protagonista deste acontecimento histórico.
Mas sem dúvida o dia 7 de janeiro (sábado) fora o dia mais marcante - seja por ter sido a data marco da 1ª tomada de Belém pelos Cabanos - os caravanistas juntamente com comunitários caminharam por uma das trilhas utilizadas pelos cabanos na época para manter comunicação com os postos de resistência do lado de Cuipiranga do Amazonas, bem como para imprimir fuga das tropas anti-cabanas. A caminhada iniciou-se com uma forte mística transcedental, que levou-nos a refletir sobre a luta, o cotidiano, os desafios e perspectivas dos cabanos da época, fora um momento muito emocionante marcado pela honra e memória ao sangue dos cabanos derramado em prol de um ideal, posteriormente dada a caminhada, a comitiva visitou a Vila do Guajará e a Vila Amazonas,onde fomos muito bem recepcionados e convidados a almoçar peixe assado e calderado do mesmo. Em regresso a Cuipiranga do Tapajós, ao cair da noite vislumbramos o filme longa metragem "O Cônego - Senderos da Cabanagem" do cineasta Paulo Miranda, no qual pudemos observar as lutas de Batista Campos e militantes no Grão-Pará pré 1835.
Mas como fora mencionado no início, este II Encontro fora marcado pelo místicismo e emoções, creio que momentos como o debate e discussões, a mística da caminhada da trilha dos cabanos, as rodas de conversa que vararam madrugada a fora do dia 7 para o dia 8, como também a mística no cemitério dos cabanos ocorrida na manhã do dia 8 de janeiro de 2012, foram acontecimentos marcantes que entraram para a história de Cuipiranga e até mesmo dos caravanistas - que eram um grupo muito diverso, sendo composto de cantores, estudantes, professores, vereador, sindicalistas, militantes sociais, pesquisadores, antropólogos, representantes de organizações governamentais e não-governamentais, cineasta, ator, etc.
Toda a mística em rememorar os acontecimentos e a luta dos cabanos está no sentido de honrar suas lutas e seus sacrifícios em prol de um ideal e melhoria de vida de suas gerações futuras - nós -, como a passagem bíblica em 2 Timóteo 4:7, menciona "Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé"...estes nossos antepassados cabanos travaram sangrentos combates, morreram pela causa, agora cabe a cada um de nós perpassar essas memórias e militar em favor de melhorias de vida de nosso povo contra a política neoliberal que tenta dizimar a cultura e identidade amazônida por meio da opressão cultural e subalternidade da dignidade do povo da Amazônia.
Há muito tempo o silêncio paira sobre o ecossistema amazônico, chegou o momento de descortinarmos os fatos e acontecimentos esquecidos, suplantados e ocultados a sociedade brasileira, especificamente a amazônida, pois tão certo como torna-se um delito grave tirar a vida de alguém, muito mais grave é manter o exímio esquecimento de nossa história e de seus mártires, pois um povo sem memórias é um povo sem história, logo torna-se um povo apático, alienado quanto a sua origem.
Então precisamos focar nossa visão no futuro, pois é certo que "ao visitar o futuro percebemos que este é perfeito e agradável;no entanto, para que permaneça assim, faz-se necessário saber de onde viemos, cultivar o nosso presente para então projetar este tão sonhado e simétrico futuro" (Wilverson Rodrigo S. de Melo - pesquisador de história da Amazônia).
Este é o momento de fazermos a diferença, de nos impormos e tentar se não reescrever ao menos ressignificar nossa história.... Saiamos do comodismo e tornemo-nos protagonistas de nossa história, que céus e terra sejam nossos testemunhos, que o tempo seja nosso papel e nossas atitudes e ações o tinteiro responsável por escrever no tempo o memorial de nossa vida, "pois o homem é filho de seu tempo". (BLOCH, Marc. Apologia da História ou ofício do Historiador).

VIVA A CABANAGEM!!!
A REVOLUÇÃO CABANA NÃO MORREU, NÓS SOMOS OS NOVOS CABANOS!!

MAIS FOTOS DE CUIPIRANGA NO II ENCONTRO

A mística no dia 7 de janeiro antes da Caminhada dos Cabanos.Veja outras fotos, de Paulo Miranda:
https://plus.google.com/photos/104303221276380810660/albums/5696023600878876241#photos/104303221276380810660/albums/5696023600878876241
Fotos: Helton Havier - ICS/UFOPA

ALGUMAS IMPRESSÕES DO II ENCONTRO

Aqueles que estiveram em Cuipiranga neste final de semana são testemunhas de que a Cabanagem realmente não acabou. Continua bem viva na memória, na vontade e na prática política da nossa gente. Por isso o II Encontro da Cabanagem foi um sucesso, que aponta para outros desdobramentos. Afinal, os participantes saíram dali já planejando “o próximo ano”. Quero destacar alguns pontos da vasta programação do evento.


A folia do Marambiré – A comitiva que foi de Santarém já foi recebida na praia pelos cantores e tocadores dessa antiga tradição, hoje presente em poucas comunidades. As bandeiras vermelha e branca no meio daquela paisagem dominada pelo rio, pela areia e pelo verde da mata chamavam a atenção, entre muitos outros símbolos que começam a aparecer por todos os lados. Os mesmos senhores do Marambiré animaram a levantação e a derrubada do mastro, momentos muito solenes e festivos. Na Amazônia, marcam, respectivamente, o início e o término da festa de um santo. Em Cuipiranga, festejávamos a santíssima Trindade.

A Caminhada dos Cabanos – Saiu de Cuipiranga (rio Tapajós) e foi até Guajará e Vila Amazonas (no rio Amazonas), percorrendo cerca de 7 km. Além dos mais jovens de Santarém e Cuipiranga, havia alguns idosos, como o Seu Magno (popularmente conhecido como “Galo”), com quase 80 anos, pisando firme o chão por onde passaram seus antepassados. Os caminhantes iam quase todos vestidos de vermelho e usando chapéus de palha. Por onde passávamos íamos “soltando pistola” (fogos de artifício), a marca das festas no interior do Pará. Era algo realmente bonito. O momento da mística antes da saída, bem no meio da praia (areia vermelha) nos lembrou o sentido do vermelho (sangue), quando as pessoas ficaram ao redor de uma enorme bandeira vermelha, segurando as suas bordas. Havia evangélico, católico, pessoas sem religião, todos rezando a mesma fé. Do lado do Amazonas fomos recebidos com cânticos, sorrisos, sucos, água, bolachas, peixe assado e cozido etc. Essa Caminhada parece que vai ficar como uma romaria anual tradicional. Marque logo na sua agenda, dia 7 de janeiro de 2013: a Marcha dos Cabanos em Cuipiranga!

A Homenagem aos Mortos – A visita ao cemitério de Cuipiranga de fato acabou se constituindo o momento mais emocionante de todos os três dias. O local fica em cima de um pequeno morro ou ribanceira, com uma bonita vista para o rio. Todos subiram a escada, guiados por pessoas que levavam a bandeira vermelha e faixa, enquanto cantavam hinos das comunidades de base da Igreja. Lá em cima, houve a saudação ao cruzeiro com água de cheiro, a iluminação com velas (como se fosse o Dia dos Mortos), as orações e os cânticos puxados pelas nativas mais idosas, palavras de ordem, fogos de artifício pipocando... tudo foi muito forte. Os moradores falavam que aquelas almas estavam felizes porque estavam sendo lembradas. E eu pensei que estavam mesmo.

As sessões de filmes – Durante as noites houve a apresentação de “Memórias Cabanas”, documentários que mostra moradores mais velhos da região falando sobre a Cabanagem, e ainda um filme com os melhores momentos do encontro de 2011. Ali estávamos devolvendo às pessoas as suas próprias imagens e falas. E elas gostam de se ver na tela. Sentem-se orgulhosas com isso. É interessante como o vídeo tem esse poder de fazer as pessoas se verem diferentes, mais bonitas. Talvez se imaginam na televisão, como artistas, saindo do anonimato. Alguns pedem copias dos filmes para mandar para parentes em Santarém e Manaus. A estreia de “O Cônego” lotou o espaço do barracão onde acontecia o Encontro. A recriação do contexto da Cabanagem, com personagens mostrando suas emoções, sonhos e disposição para a guerra, serviu ainda mais para essa “viagem de volta” ao tempo dos cabanos.

Como eu falei, estes foram só alguns momentos. Mas teve jogo de futebol masculino e feminino, muito banho de rio, galinha caipira, piracaia (comida coletiva na praia), tarubá, caxiri, cerveja, carimbo animado pela nossa querida Cristina Caetano, amizade, namoro etc.

Prof.Dr. Frei Florêncio Almeida Vaz
(Coordenador do Proj. Memórias da Cabanagem - PAA/ICS/UFOPA)

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

ALGUÉM MORREU EM CUIPIRANGA

José Ribamar Bessa Freire
08/01/2012 - Diário do Amazonas

Quem é que morreu em Cuipiranga? Foi algum cuipiranguense ilustre? Por que o cemitério dessa modesta comunidade ribeirinha está lotado com tanta gente nesta manhã de domingo, 8 de janeiro de 2012? Eram previstas 250 a 300 pessoas que sairiam às 8h00 caminhando pelo trapiche. Quantas vieram? Quem são elas? Por que desfilam, tão compenetradas, entre covas, tumbas e jazigos? Onde vão depositar as coroas de flores que carregam? De quem é, afinal, o velório? Qual o objetivo dessa romaria fúnebre? Aliás, pra começo de conversa, alguém aí, por favor, sabe me informar onde é mesmo que fica Cuipiranga?

A última pergunta pode ser esclarecida imediatamente. Cuipiranga tem um lugar reservado no mapa paisagístico, histórico e afetivo do Pará. Geograficamente, está situada numa língua de terra entre os rios Tapajós e Amazonas, quase em frente à Santarém. As questões sobre cemitério, morte e velório, porém, só podem ser respondidas se soubermos quem são os integrantes da romaria e o que fizeram juntos, ali, nos dias anteriores à visita ao cemitério.

Eles são moradores de Cuipiranga e das comunidades vizinhas, ribeirinhos, pescadores, artesãos, trabalhadores rurais, além de estudantes e professores da recém criada Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPa), alguns cineastas, antropólogos e historiadores vindos de São Paulo, de Belém, de Santarém.

Durante três dias, essas pessoas compartilharam um conjunto de atividades. No primeiro dia, levantaram o mastro da festa, celebraram cerimônia religiosa na praia e dançaram o marambiré, uma versão da folia de reis, com coreografia de passos bem marcados, na qual são apresentados vários personagens: o Rei Congo, vestido de branco, casaco adornado com talabarte de couro escuro e botas com enfeites de prata; a Rainha Mestra trajando vestido comprido, de seda em tons dourados, todo bordado; os vassalos-homens com calça comprida preta e as mulheres com vestido estampado.
Continue lendo: http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=954

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Um olhar nativo e historiográfico do II Encontro da Cabanagem

Em comparação a outros movimentos regenciais, nota-se quão esquecida e alienada é a Cabanagem para os alunos nas escolas e para a população do Brasil, de um modo geral. Tornando-se isso propositalmente, nada mais do que a imposição da ignorância e do obscurecimento desse movimento ao povo do Brasil, haja vista que, seu caráter revolucionário-popular fundamentado nos ideais da Revolução Francesa fora capaz de depor governantes, intimidar um Império, organizar-se não apenas enquanto insurreição, mas sim como uma “revolução” que tomara de forma efetiva o poder na Província do Grão-Pará. Daí o temor de tomar este movimento como símbolo ou marco histórico de um Brasil Pós-Independência, pois se a Farroupilha - Também uma revolta do período regencial - já virara Minissérie na televisão brasileira, a Cabanagem nem sequer ganhou espaço e difusão na região do ocorrido – antigo Grão-Pará e atual Região Norte do país -, o que por si só denota o exímio esquecimento.
Vale ressaltar que desde a “Evolução Política do Brasil (1933)”, os estudos antropológicos e historiográficos caracterizam a Guerra da Cabanagem como uma das, senão a principal revolução política ocorrida no Brasil, em toda sua História após 1822. Muito além, o antropólogo inglês David Cleary apud MAHALEM DE LIMA (2008, p. 294), destacou no ano de 1998, que ela deve ser pensada como uma das maiores e mais abrangentes revoluções políticas de todo o Novo Mundo.
Por tudo isto, esperasse como muita expectativa que este II Encontro fundamente-se nas premissas de dar voz e vez aos documentos, relatos e memórias dos descendentes dos cabanos, no intuito de fazer uma releitura dos pequenos traços dessa revolta popular sob a ótica da Micro-História, haja vista que estes delineamentos também buscam auxílio na história escrita por Vicente Salles no livro “O Negro na formação da Sociedade Paraense”, em que o autor procura escrever a história defendida por Michelet, “a história daqueles que sofreram, trabalharam, definharam e morreram sem ter a possibilidade de descrever seus sofrimentos”.

Todavia, fato é, que ainda há muito a ser estudado sobre a Guerra da Cabanagem, sobre o seu palco de conflitos, sobre como se denominavam e qual era a ideologia dos cabanos, todavia é um massacre que a história daqueles que foram suplantados permaneça sepultada e caia no esquecimento perpétuo. Deve-se dar vez e voz aos descendentes das muitas vozes que se calaram e dos muitos corpos que jorraram sangue, na perspectiva de reescrever a história da cabanagem sob a ótica dos vencidos, desmistificando a historiografia tradicional que até hoje permeia nos livros e nas histórias disseminadas pelos discursos político-partidários.
Se a Revolução Francesa, a Revolução Inglesa e a Revolução Russa até hoje são cultuadas e idolatradas, porque não, dar a tamanha importância e enfoque a uma das maiores – se não a maior – Revolução do continente Americano: a Revolução Cabana.


¹Pesquisador de História da Amazônia e Co-coordenador do II Encontro da Cabanagem
     w.rodrigohistoriador@bol.com.br

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Foto: Renato Oliveira

ATENÇÃO, A VIAGEM JÁ VAI COMEÇAR

Estamos a poucas horas da viagem, e tudo indica que ela vai ser um sucesso. Graças inicialmente ao pequeno, mas aguerrido, grupo dos estudantes universitários do Projeto Memórias da Cabanagem. Todos voluntários, é importante frisar. Nossos sentimentos neste momento só podem ser de profunda gratidão a todas e a cada uma das pessoas que nos apoiaram no patrocínio. De modo especial, obrigado ao SINTEPP (Sindicato dos Trabalhadores de Educação Pública do Estado do Pará) pela decisiva ajuda no frete do barco; ao Deputado Edmilson Rodrigues (PSOL) pela passagem do ator José Jorge de Lana; à Prefeitura Municipal de Santarém pela passagem do diretor Paulo Miranda (ambas no trecho Blm-Stm-Blm) e ao vereador Carlos Jaime (PT) pelo ajuda em combustível e alimentos.

É claro que houve muitos Não, porém, o que mais nos alegra é que houve muitos Sim. Desde a generosidade daqueles que deram dois quilos de arroz, açúcar e farinha de mandioca, aos que mesmo sem poder participar da viagem doaram R$50,00. A soma desses gestos é que está fazendo o nosso sonho acontecer. É o sonho cabano de ontem e de hoje, da partilha e da solidariedade. Somos gratos igualmente pelo pacote de bolacha e pela passagem aérea. Estamos certos que os espíritos dos cabanos(as) também estão contentes e nos mandam luz, saúde, força. Que Deus Pai-e-Mãe retribua a todos(as) pelo apoio e que faça seus sonhos vingarem neste ano de 2012