[Alvina Cunha, autora do relato, está à esquerda com a menina de vermelho]
Quando recebi do professor Florêncio Vaz o convite para conhecer a
comunidade de Cuipiranga [13-15/07/2012], não imaginei o quanto essa
experiência seria enriquecedora e prazerosa ao ponto de reacender em mim a
indescritível sensação de estar diante de um documento, que é ao mesmo tempo
testemunho da nossa história. Cuipiranga, porém, não é apenas um pedaço de
papel por muito tempo conservado em um arquivo, mas um retrato vivo da história
da Cabanagem que a todo momento se renova, se modifica e se conserva com todas
as suas nuances nos relatos da gente que ali vive e convive diariamente com a
memória da Cabanagem.
A primeira sensação, porém, ao pisar na “terra vermelha” foi a
estranheza de ter que viver, por dois dias, em uma realidade completamente
diferente a que estou acostumada. Mas este sentimento logo foi substituído pela
alegria de ser recepcionada com a mais alta cortesia por uma gente simples cujo
mais valioso bem que possuem é a gentileza de fazer o mais estranho visitante
se sentir em casa. Nesse aspecto não seria justo citar o nome de uma ou outra
pessoa, pois todos, sem exceção, estão igualmente contemplados.
Além da calorosa receptividade, outros aspectos chamaram a minha
atenção naquele lugar. A exuberante beleza natural (que dispensa qualquer
comentário) foi um deles, mas os aspectos sociais - o modo de vida das pessoas
e as imbricadas relações que elas tecem umas com as outras, com a natureza e
com a memória da Cabanagem - foram os que mais me impressionaram: saber que ali,
para aquelas pessoas, a areia é vermelha porque um dia foi manchada pelo sangue
dos cabanos mortos em combate; conhecer o lugar onde seus corpos foram
enterrados sob essa mesma terra; ouvir o relato daqueles que ainda hoje guardam
na memória o que lhes foi contado e da mesma forma a transmitem; navegar pelos
rios e caminhar por dentro da mata fazendo o exercício de imaginar como os
cabanos ali se locomoviam e planejavam suas estratégias de guerra é uma
experiência intelectual que transcende a matéria e supera qualquer cansaço
físico.
Apesar do cansaço ter sido grande já nas primeiras horas do dia
seguinte, devido à visita inesperada de vários besouros durante a noite, logo
me senti reconfortada pela prazerosa conversa com uma moradora que me relatou seu
sentimento de auto-identificação com o povo cabano, enquanto outras comunidades
negam esta identidade por associá-la a algo pejorativo, reforçada pela idéia
ainda hoje comum associada ao movimento da Cabanagem.
[Fotos: Professor e Frei Florêncio Almeida Vaz]
Assim, não me resta outra alternativa a não ser agradecer pelo
convite que, se em um primeiro momento foi recebido com ingenuidade, logo foi
transformado em uma experiência intelectual tão intrigante, quanto
enriquecedora. Obrigada, professor Florêncio Vaz, obrigada, povo de Cuipiranga
pelo presente a mim concedido de conhecê-los, mas ainda mais por terem sido tão
valorosos guardiões da nossa história. Espero um dia poder me juntar a vocês na
reconstrução desta memória.
Alvina Cunha (Estudante da UFOPA)
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