Índio Mura

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

"CONHECER CUIPIRANGA E SUA GENTE É UMA EXPERIÊNCIA INTELECTUAL INTRIGANTE"


[Alvina Cunha, autora do relato, está à esquerda com a menina de vermelho]
Quando recebi do professor Florêncio Vaz o convite para conhecer a comunidade de Cuipiranga [13-15/07/2012], não imaginei o quanto essa experiência seria enriquecedora e prazerosa ao ponto de reacender em mim a indescritível sensação de estar diante de um documento, que é ao mesmo tempo testemunho da nossa história. Cuipiranga, porém, não é apenas um pedaço de papel por muito tempo conservado em um arquivo, mas um retrato vivo da história da Cabanagem que a todo momento se renova, se modifica e se conserva com todas as suas nuances nos relatos da gente que ali vive e convive diariamente com a memória da Cabanagem.

A primeira sensação, porém, ao pisar na “terra vermelha” foi a estranheza de ter que viver, por dois dias, em uma realidade completamente diferente a que estou acostumada. Mas este sentimento logo foi substituído pela alegria de ser recepcionada com a mais alta cortesia por uma gente simples cujo mais valioso bem que possuem é a gentileza de fazer o mais estranho visitante se sentir em casa. Nesse aspecto não seria justo citar o nome de uma ou outra pessoa, pois todos, sem exceção, estão igualmente contemplados.

Além da calorosa receptividade, outros aspectos chamaram a minha atenção naquele lugar. A exuberante beleza natural (que dispensa qualquer comentário) foi um deles, mas os aspectos sociais - o modo de vida das pessoas e as imbricadas relações que elas tecem umas com as outras, com a natureza e com a memória da Cabanagem - foram os que mais me impressionaram: saber que ali, para aquelas pessoas, a areia é vermelha porque um dia foi manchada pelo sangue dos cabanos mortos em combate; conhecer o lugar onde seus corpos foram enterrados sob essa mesma terra; ouvir o relato daqueles que ainda hoje guardam na memória o que lhes foi contado e da mesma forma a transmitem; navegar pelos rios e caminhar por dentro da mata fazendo o exercício de imaginar como os cabanos ali se locomoviam e planejavam suas estratégias de guerra é uma experiência intelectual que transcende a matéria e supera qualquer cansaço físico.

Apesar do cansaço ter sido grande já nas primeiras horas do dia seguinte, devido à visita inesperada de vários besouros durante a noite, logo me senti reconfortada pela prazerosa conversa com uma moradora que me relatou seu sentimento de auto-identificação com o povo cabano, enquanto outras comunidades negam esta identidade por associá-la a algo pejorativo, reforçada pela idéia ainda hoje comum associada ao movimento da Cabanagem.

[Fotos: Professor e Frei Florêncio Almeida Vaz]
Assim, não me resta outra alternativa a não ser agradecer pelo convite que, se em um primeiro momento foi recebido com ingenuidade, logo foi transformado em uma experiência intelectual tão intrigante, quanto enriquecedora. Obrigada, professor Florêncio Vaz, obrigada, povo de Cuipiranga pelo presente a mim concedido de conhecê-los, mas ainda mais por terem sido tão valorosos guardiões da nossa história. Espero um dia poder me juntar a vocês na reconstrução desta memória.

Alvina Cunha (Estudante da UFOPA)

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