E A “PÓLVORA
EUROPEIA” CHEGA AO BRASIL: a transferencia da Família Real Lusa para a América
Portuguesa e suas implicações para o Grão-Pará *
Wilverson Rodrigo Silva de Melo [1]
RESUMO
– Este
trabalho tem por intuito discutir sobre o processo de transferencia da família
real portuguesa para o Brasil e as consequências e implicações
sócio-político-econômicos para a Província do Grão-pará. Ao mesmo tempo em que
buscar-se-á analisar a transferência da “pólvora europeia” para o Brasil, este
trabalho tentará dissertar sobre a relação que estes acontecimentos vindouros
da Europa influenciarão nas insurreições e revoltas populares ocorridas no Pará
na busca da emancipação política. A proposta metodológica fundamentou-se na
pesquisa bibliográfica, no Estudo de Caso e no método histórico.
PALAVRAS-CHAVE: europa, família real lusa,
grão-pará.
INTRODUÇÃO
Com
o advento da Revolução Francesa, novos pensamentos, conceitos e mentalidades
passaram a serem presentes no cotidiano francês. Os ideais iluministas de
igualdade, fraternidade e liberdade e a motivação de revolução para obter uma
transformação social passaram a ecoar por toda França e a se difundir por toda
a Europa.
Discussões
como distribuição de terras, sufrágio universal, valorização das
individualidades, isonomia de direitos e incentivos à proteção do
jusnaturalismo e aos direitos fundamentais da pessoa humana passaram a ecoar
por toda a Europa e logo ganharam espaço no Novo Mundo.
É,
pois, a partir dos ideais da Revolução Francesa que Napoleão Bonaparte inicia
sua política imperialista de desarticular as monarquias absolutistas europeias,
na ânsia de reconfigurar a geografia do Velho Mundo em Estados nações
democrático. No entanto, sua ambição vai muito mais, além disto, e Bonaparte
estabelece como meta levar a França a se tornar a grande potência mundial do
século XIX, mas para que isto viesse a se efetivar era necessário conseguir
neutralizar o crescimento da sua grande rival econômica – a Inglaterra.
As
tentativas de Napoleão giravam em torno de conquistar e obter como aliados
político-econômicos as nações pró-Inglaterra, de igual modo seus objetivos
também previam a neutralização das companhias de comércio inglesas, a conquista
de seus mercados consumidores para assim estabelecer um isolamento econômico,
um cordão social que condenaria a Inglaterra a sucumbir paulatinamente sem uma
relação de interdependência com outras nações. Estas tais metas conhecidas como
Bloqueio Continental que passaram a vigorar a partir de 1806 só foram
decretadas por Bonaparte devido a impossibilidade de Napoleão invadir e
destruir sua rival Inglaterra em um combate direto, haja visto que as condições
geográficas da Inglaterra enquanto ilha impossibilitava que as tropas francesas
chegassem como elemento surpresa nas terras britânicas devido a escassez de
embarcações da marinha francesa que se por um lado detinha o maior exército
terrestre do globo, por outro lado estava muito aquém da marinha britânica que
detinha a maior frota naval do mundo.
Dado
as dificuldades em se superar a Inglaterra e a resistência dos parceiros
econômicos da mesma em continuarem suas trocas comerciais com ela, Napoleão
Bonaparte radicaliza ainda mais o Bloqueio Continental estabelecendo que toda e
qualquer Nação que continuasse a manter relações econômicas e diplomáticas com
a Inglaterra seria passível de invasão pelas tropas francesas (Cf. CLEARY 2002;
MACHADO 2006).
MÉTODO
A
proposta metodológica deste trabalho fundamentou-se na pesquisa bibliográfica
reunindo trabalhos que analisem o impacto dos acontecimentos europeus do século
XIX no Brasil, de igual modo se realizou um Estudo de Caso sobre os
acontecimentos ocorridos no Grão-Pará em 1823 e entre 1835-40; num terceiro
momento se realizou o método histórico para a realização de uma retrospectiva
historórica dos fatos; e por fim ocorreu a sistematização dos dados e a
tessitura historiográfica deste texto.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
No
cenário político do Bloqueio Continental, as últimas monarquias a serem
invadidas pelas tropas napoleônicas foram as Ibéricas. No que tange a isto, a
invasão de Portugal teve para sua colônia portuguesa na América, reflexos
diretos na autonomia político-econômica.
Durante
certo tempo D. João consegue negociar com a Inglaterra e com a França ao mesmo
tempo, estabelecendo uma política de neutralidade sigilosa, deturpando e
difamando uma nação para a outra, mas de forma real negociando com ambas. Todavia,
aos meses finais de 1807, Bonaparte autoriza a invasão de Portugal, porém, este
não sabia que a monarquia lusa estava negociando com a Inglaterra uma fuga com
escolta para o Brasil em caso de invasão a Portugal.
Ao
alvorecer da invasão Francesa a Portugal, o
registro imagético que perpetuou-se na mente dos portugueses de Lisboa foi a “fuga”/transferência da Família Real
Portuguesa e parte da nobreza para o Brasil. Nos primeiros meses de 1808 a
Família Real Portuguesa chega ao Brasil e adota medidas e leis de
beneficiamento à Inglaterra como a “Abertura dos Portos às Nações amigas” que
de certa forma encerra a exclusividade colonial da Metrópole Lusa com sua
colônia dando uma abertura a autonomia econômica do Brasil.
A
de se historicizar que a Inglaterra só decide ajudar a D. João VI por
interesses econômicos e estratégicos, pois se a França tivesse invadido
Portugal e subalternado a Coroa dos Bragança, Bonaparte passaria a controlar
além das colônias espanholas, a colônia portuguesa na América o que aumentaria
a riqueza da França e diminuiria o mercado consumidor da Inglaterra. Por outro
lado, ao ajudar a coroa portuguesa a se transferir para o Brasil, a Inglaterra
faria isso com a garantia de conseguir vantagens econômicas como forma de
pagamento por sua ajuda, fato este que ocorre, tornando a Inglaterra a maior
beneficiada do comércio com o Brasil chegando a pagar somente 15% de impostos
sobre os produtos comercializados com a colônia, percentual este menor do que o
pago pela Metrópole Lusa que era de 16%.
A
chegada da Corte Lusa no Brasil inaugura um processo de modernização do Brasil
e uma abertura econômica que culminaria com a emancipação política da América
Portuguesa. No entanto, os custos para manter a coroa no Rio de Janeiro e todo
o seu aparato administrativo torna-se oneroso demais para a estrutura da
colônia, levando a uma cadeia desenfreada de aumento de impostos as Províncias
do Estado do Brasil e as do Estado do Norte (Cf. MELO 2013).
Ao
chegar ao Brasil, uma das primeiras medidas de D. João VI, em resposta a
invasão de Napoleão à Portugal, é ordenar que tropas luso-brasileiras invadam a
Guiana Francesa como forma de represália as políticas expansionistas e
imperialistas de Bonaparte e forma de salvaguardar a possibilidade de Napoleão
desembarcar tropas francesas na Guiana para assim invadir o Brasil.
Segundo
Harris (2010, p.127-128):
The invasion of
Guyana was precipited by the departure of the Portuguese royal court to Brazil
at the end of 1807. The fear that Napoleon's troops would land in Guyana and
enter Brazil through its northern frontier forced the Overseas Council
(Conselho Ultramarino) into action. As soon as Dom Joao VI arrived in Rio de
Janeiro in March 1808, he declared war on France, paving the way to an invasion
of Guyana. The King's statement observed that “the total ruin of Cayenne [the
capital of Guyana] would be greatly esteemed by Royal interests [...]”.
Seguindo
o pensamento acima, inferimos que a invasão ou “tomada” de Caiena em Março de
1808, ação pensada por Francisco de Souza Coutinho e executada com a vinda da
Família Real para o Rio de Janeiro, deslocou “600 voluntários” do chamado
“corpo de Vanguarda”, os quais, junto com os regimentos de infantaria e
artilharia, somaram 991 homens que partiram em março de 1808 em direção a
Caiena, que se rendeu em janeiro de 1809. Novos deslocamentos de tropas
ocorreram e a insatisfação nas fileiras do exército foi o estopim de revoltas
para forçar a volta dos soldados do Pará[2].
Muito
além de serem apenas insatisfações, muitos desses soldados destacados das
tropas do Grão-Pará tiveram contato com as ideias liberais e iluministas que
circulavam na Guiana Francesa advindas do movimento de Revolução em que ainda
respirava sua Metrópole. Fato a se historicizar também é a condição de
“voluntários” em que mais de 600 homens partiram à Guiana, na maioria dos
casos, boa parte desses homens eram homens brancos pobres e livres, homens de
cor livres e negros escravos, ou seja, grande parte do contingente das tropas
encontravam-se numa condição de subalternidade e latentes desigualdades
socioeconômicas em relação a elite lusa e as demais autoridades paraenses, que
ao entrarem em contato com os ideais da Revolução Francesa que circulavam por Caiena,
passaram a se questionar sobre sua realidade social, sua condição humana e o
tratamento dispensado a eles por aqueles que detinham o poder
político-econômico no Grão-Pará.
CONCLUSÃO
Atrelados
a esse fator, o processo de organização da Corte Lusa no Brasil modificou o
modo de arrecadação de impostos na colônia para conseguir a manutenção dos
privilégios da Coroa. Tanto o contato com ideias iluministas, a modificação da
carga tributária e a insatisfação popular com a economia e as questões sociais
advindas da má governabilidade da Coroa serão um combustível para o estouro da
pólvora em 1823 no processo de resistência do Grão-Pará a Adesão da
Independência do Brasil e posteriormente na Revolta popular denominada de
Cabanagem.
Se
por um lado a presença da Coroa portuguesa no Brasil representou uma maior
fiscalização e exploração direta dos recursos naturais da colônia, como também
investimento direto na produção agropastoril, por outro lado, representou o
início do processo de emancipação política do Brasil em relação à Portugal,
processo este marcado por muitas revoltas, guerras e insurreições populares,
dentre as quais a Cabanagem do Grão-Pará simbolizou o marco da resistência
popular em prol da ruptura do pacto colonial com a métropole Lusa, como também
inaugurou a História Moderna da Amazônia sendo inspiração e base para estudos
historiográficos de movimentos sociais no mundo todo – a Cabanagem no Grão-Pará
significa para todo o continente americano, o que a Revolução Francesa
significou para a Europa, precisando a primeira ser passível de mais estudos e
pesquisas.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Aline Patrícia da
Silva. et. al. Manual para normalização
de trabalhos acadêmicos. Canoas: Ulbra, 2006. 98 p.
CLEARY,
David (Org.).
Cabanagem: documentos ingleses. SECULT/IOE. Belém, 2002.
HARRIS, Mark. Rebellion on the Amazon: The Cabanagem,
Race and Popular Culture in the Brazilian Amazon 1798-1840. v.95 de Cambridge Latin
American Studies.
Londres: Cambridge University Press, 2010, 331 p.
LAKATOS,
Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica. 5 ed. São Paulo: Atlas,
2003, 310 p.
MACHADO,
André R. A. A Quebra da Mola Real das
Sociedades: A Crise Política do Antigo Regime Português na Província do
Grão-Pará (1821-1825). 2006. Tese (Doutorado em História
Social). FFLCH-USP, São Paulo, 2006.
MELO,
Wilverson Rodrigo S.
Tempos de Revoltas no Brasil Oitocentista: a Revolução Cabana em Santarém na
Região do Baixo Amazonas Paraense (1834-1838). In: VI SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA: CULTURAS E
IDENTIDADES, 2013, Goiânia. Arquivos e Ditaduras. Goiânia: Editora da UFG, 2013. v. 6. p. 1-23.
NOGUEIRA, Shirley
Maria Silva. A soldadesca desenfreada:
politização militar no Grão-Pará da era da independência (1790-1850). Tese
(Doutorado em História Social do Brasil), Salvador, Universidade Federal da
Bahia, 2009.
[1] Prof.º Pós-graduando
em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e Mestrando
do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE).
[2]
NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. A soldadesca desenfreada: politização militar no
Grão-Pará da era da independência (1790-1850). Tese (Doutorado em História
Social do Brasil), Salvador, Universidade Federal da Bahia, 2009. p. 174-251.
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